Moradores já foram picados pelos animais peçonhentos dentro de suas residências; entulho e abandono do local aumentam a gravidade do problema
SÃO PAULO (32xSP) – “Escorpião é o que mais tem por aqui… essa noite tinha um ali”, aponta a costureira Iracema Tomaz de Souza, 73, para mostrar o local da casa que recebeu mais uma visita pouco agradável.
A moradora do distrito da Cidade Líder, na zona leste de São Paulo, conta que três familiares foram picados por escorpiões e que crianças da vizinhança já encontraram filhotes de cobras, ratos e aranhas ao brincar nas ruas.
O motivo da presença dos animais peçonhentos dentro das residências é um terreno próximo dali, abandonado há mais de 40 anos. Com cerca de 350 metros quadrados, o espaço fica entre o Shopping Aricanduva e o final de, pelo menos, oito ruas do bairro Jardim Marília, que faz parte do distrito.
Iracema é moradora do bairro há 43 anos e até hoje nunca viu nenhum tipo de obra no terreno, tampouco sabe ao certo quem são os seus donos. “Uns falam que é [de propriedade] do shopping, mas são apenas boatos. Ninguém sabe”, comenta.
Questionado sobre como localizar os donos deste, o setor de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) da Subprefeitura de Itaquera afirmou que essa é uma informação sigilosa e, portanto, ilegal de ser passada. No entanto, indicou que a reportagem entrasse em contato com o portal de atendimento da Prefeitura de São Paulo.
Em ligação para o canal 156, foi explicado que o único procedimento para casos como esse é registrar uma reclamação formal no portal, esperar que um fiscal vá até o local para realizar uma avaliação, notificar o dono do terreno e, caso o mesmo não responda, a prefeitura envia uma multa para ele.
Função social
O PL (Projeto de Lei) nº 688/13, do Plano Diretor Estratégico (PDE) do Município de São Paulo, prevê medidas que obrigam os donos de terrenos baldios a darem funções sociais a esses espaços.
Segundo o PDE, são considerados imóveis não utilizados e/ou subutilizados os terrenos com mais de 250 metros quadrados sem nenhum aproveitamento ou com aproveitamento mínimo.
As providências são aplicadas aos proprietários sucessivamente: parcelamento, edificação e utilização compulsória, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, além da arrecadação de bens abandonados.
Moradora do Jardim Marília desde que nasceu, a consultora comercial Elaine Patrícia de Oliveira, 27, afirma jamais ter visto qualquer função social dada pelos donos ao terreno. Ela menciona, também, que muitos rumores foram ouvidos pelos moradores ao longo dos anos.
“Sempre falavam que ia ser uma continuidade do Shopping Aricanduva, outros diziam que seria um condomínio privado e, outros, um parque. A verdade é que nunca houve uma evolução e acredito que nunca vai haver”
Elaine Patrícia de Oliveira, consultora comercial
Ainda segundo a consultora comercial, a única função social veio dos próprios moradores do bairro que, há mais de 20 anos, fizeram um campo de futebol improvisado no local. No entanto, com a expansão do shopping, a área foi soterrada por entulhos.
O muro
Em 2015, por ordem dos donos do terreno, foi construído um muro no final de algumas ruas que cercavam a área, fechando todo o acesso. Porém, nenhum morador soube dar mais detalhes sobre isso.
O paredão impede que seja feita a zeladoria em boa parte do local (aumentando a incidência de animais peçonhentos, que sempre existiram), além de ter dividido opiniões entre os vizinhos, pois dificultou o acesso que eles utilizavam para cortar caminho até o shopping.
Elaine acredita que os problemas de zeladoria não existiriam se houvesse uma utilização mais consciente do espaço. Ela diz, no entanto, que algumas vizinhas tomaram a iniciativa de criar uma espécie de horta no local, mesmo com o entulho.
“Ali atrás está muito bonito porque elas utilizaram uma parte, plantaram e cultivaram banana, milho e feijão. Apesar de tudo, a terra é boa”, finaliza.