Distrito paulistano tem 147 mil moradores e carrega alguns indicadores negativos, como a pior taxa de emprego formal na cidade
SÃO PAULO — O ponto final da linha 3739-10, no bairro Recanto Verde do Sol, fica em uma rua de terra ao lado do “Bar do Zé Costa”. O piauiense, dono do negócio, mora há duas décadas no distrito do Iguatemi, na Zona Leste de São Paulo, e há quatro anos abriu o estabelecimento para complementar a renda.
Aos fundos do boteco, é possível ouvir cacarejos. “Estou com galinhas, patos e uns pés de milho”, conta José da Costa Carvalho Filho, 54. “É um hobby meu. Não vendo, não mato. Tenho muito apego pela criação”.
A cerca de 23 quilômetros do centro da capital, São Paulo se torna uma cidade do interior. Composto por 15 bairros, o Iguatemi integra a subprefeitura de São Mateus. No limite com o município de Mauá, na Grande São Paulo, os bairros Recanto Verde do Sol, Jardim Limoeiro e Jardim das Laranjeiras mantêm o ar de interior mesmo com o passar dos anos.
Moradora do Recanto, a desenhista Suzana Soares, 25, apelida o lugar de ‘quebrada da roça’. “A gente vê boiada na rua. Tem árvore com fruta, tem criança brincando na rua”, conta.
“Tem esse ar de interior por estar perto do verde e aqui a galera é mais velha. É um bairro extremamente tranquilo”.
Quem diz o mesmo é Maria Almeida, 66, uma das primeiras moradoras do Jardim Limoeiro. “Por aqui a gente dá bom dia para quem passa. Vez ou outra, bate um papo com os vizinhos. Tem vezes que a gente fica até tarde na praça”, conta.
“Antes, só tinha a estrada do Iguatemi [atual avenida Ragueb Chohfi]. As casas eram contadas. Na avenida, tinha o mercado do Português, a padaria do Samir e a primeira farmácia do Sofarina”, lembra Maria, que chegou ao Iguatemi com 18 anos, vinda de Ribeira do Pombal, na Bahia.
Os primeiros moradores se estabeleceram na região na década de 1950 por meio de pequenas propriedades rurais. Entre os anos de 1970 e 1990, imigrantes – nordestinos, em sua maioria – chegaram ao Iguatemi. Mas foi apenas em 1992 que ele foi oficializado como um distrito.
Hoje o Iguatemi tem cerca de 147 mil moradores. A tranquilidade de cidade do interior, entretanto, não é garantia de qualidade de vida.
Desemprego
Planejado para ser uma área de forte desenvolvimento industrial, não foi exatamente isso o que aconteceu com o crescimento da região. A falta de emprego é um dos principais problemas que atingem o distrito.
Segundo dados do Mapa da Desigualdade 2020, publicação anual da Rede Nossa São Paulo, o Iguatemi tem a menor taxa de emprego formal na cidade: 0,39 posto para cada dez habitantes em idade ativa. As chances de conseguir um trabalho no Iguatemi são 291 vezes menores do que no distrito da Sé, detentor do melhor índice de emprego (113,8 para cada dez moradores).
Desempregado há três anos, o azulejista Jhones Lima, 52, aguarda a transferência de terras para o nome dele para voltar ao estado do Piauí.
“Trabalhei muito em Alphaville e no Morumbi. De uns anos pra cá, não apareceram mais serviços. Mesmo gostando daqui, vou embora; aqui não tem mais trabalho”.
Para Suzana Soares, uma das razões para esse cenário é a falta de empresas na região, pelo fato de o Iguatemi ser uma área predominantemente residencial. “Os trabalhos aqui são nos mercadinhos da região e nas lojas da Ragueb Chohfi”, diz.
Crescimento x Desenvolvimento
Nos últimos anos, obras como a duplicação da avenida Ragueb Chohfi, o prolongamento da avenida Jacu-Pêssego até o Rodoanel-Leste e a construção da Linha 15-Prata do Monotrilho trouxeram mais moradores para o distrito, mais facilidade na mobilidade, mas também novos problemas.
“Estamos perto da Mata Atlântica, quando eu voltava à noite do trabalho sentia aquele frio. Hoje, como as pessoas precisam de moradia, as matas estão sendo ocupadas”, conta a articuladora cultural Daniela Lima, 39. Um quarto do território do Iguatemi é formado pela Mata Atlântica.
Daniela chegou ao Jardim das Laranjeiras aos quatro anos de idade com a família, vinda do Ceará, e pontua que a construção de postos de saúde, escolas e espaços de lazer não acompanha o crescimento do distrito do Iguatemi.
“Aqui é um distrito que está começando, onde as pessoas vêm para começar suas vidas. Como alguém vai crescer, arrumar um bom emprego, sem casa, escola, posto de saúde e saneamento básico?”, questiona.
Ainda segundo dados do Mapa da Desigualdade, 7,5% das casas no Iguatemi ficam em favelas ou assentamentos informais. Além disso, 16,6% das residências do distrito não têm acesso à rede de esgoto.
Outro indicador negativo é a idade média ao morrer, que é de 59 anos no distrito, uma das mais baixas de São Paulo, ao lado de Cidade Tiradentes (58,5 anos), na zona leste, e Jardim Ângela (58,3 anos), na zona sul.
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Em relação à educação, o Iguatemi tem uma das mais altas taxas de matrículas de crianças no ensino básico de escolas públicas: 84,9%. Na área da saúde, os moradores levam em média 34 dias para passar em consulta na atenção básica (a média na cidade é de 28 dias).
Falta de Equipamentos Culturais
Daniela Lima faz parte do Sarau do Vale, um coletivo de poetas e artistas que se apresentavam uma vez por mês no Bar do Zé Costa. Desde o fim de 2019, as apresentações passaram a ser realizadas em praças da região e, desde o início da pandemia da Covid-19, acontecem por meio digital.
“Fico de cara com a inquietude dos artistas da região, especialmente com o Recanto Verde do Sol. Todos são muito engajados, lutam contra a morte dos moradores da periferia e estão próximos da juventude. Usam a arte como forma de trazer uma visão de vida para essa geração que tá vindo”.
Ainda assim, o distrito está aquém do que se refere à cultura. De acordo com dados do portal Observa Sampa, da Prefeitura de São Paulo, o Iguatemi tem 2,71 equipamentos públicos municipais de cultura para cada cem mil habitantes. Por outro lado, o local não conta com cinemas, teatros, museus ou salas de shows e concertos.
Por: Eduardo Silva e Matheus Oliveira